Saco cheio!

Ana Claudia de Souza
2 min readMar 26, 2021

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Já ouvi — e acho possível que eu já tenha até reproduzido — a frase: “cada um faz o que quiser, só não enche meu saco”. Pode parecer uma frase inocente, mas no contexto que ela é utilizada, cabe uma reflexão.

Geralmente ela é dita para minimizar pautas levantadas por LGBTs, feministas, negros ou qualquer outro grupo minoritário que reivindique direitos ou até algo muito mais simples: respeito.

“Não quer se depilar? Não se depila então, só não enche meu saco.”

“É homem e quer casar com outro homem? Casa, só não me enche o saco.”

“É homem mas ‘quer ser’ mulher? Seja, só não me enche o meu saco”.

Se formos olhar para o quão perigoso é fazer parte de uma minoria, o fato da pessoa “não ligar” para o que você faz com a sua vida e seu corpo, já é, digamos assim, um avanço. Algumas pessoas preferem ver feministas, negros, LGBTs e indígenas mortos.

Mas a pessoa que pede para não ser importunada, talvez nunca tenha pensado que até isso é um privilégio. Mesmo que uma mulher diga: “É isso mesmo, não vou me depilar e não me encham o saco”, alguém vai lhe questionar, lhe reprimir, lhe ridicularizar. Quando dizemos que não queremos ter filhos as pessoas se tornam incapazes de ponderar e rapidamente disparam inúmeros argumentos para nos convencer do contrário.
Quando uma pessoa coloca nas redes sociais foto com o parceiro do mesmo sexo, a fofoca corre solta no bairro onde a pessoa cresceu e sempre tem alguém para falar que “não precisava se expor assim”.
Quando um negro vai ao supermercado não é raro ser perseguido pelos seguranças da loja que veem nele um ladrão em potencial.

Mas o fato de declararmos que estamos de saco cheio disso tudo, aparentemente importuna muita gente. Reivindicar que sejamos respeitados tira muitas pessoas de suas zonas de conforto. Talvez elas pensem que não precisam ser aporrinhadas com nossas reivindicações porque já nos respeitam, mas sendo esse o caso, não há motivos para elas se sentiriam tão particularmente incomodadas.

Portanto, se você conhece o valor de não ser atormentado vai entender o fato de estarmos solicitando o mesmo.

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Ana Claudia de Souza

Poeta, ilustradora, militante, periférica, ateia, marxista-leninista.