Os suspiros do século 21

Ana Claudia de Souza
3 min readApr 16, 2021

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Não se tem muita certeza de quando o suspiro foi inventado. Encontrei fontes que citavam o século XVII, XVIII e até XIX. No entanto, uma coisa é certa: os suspiros surgiram antes das batedeiras! Estas, foram inventadas no século XX, mais especificamente em 1917. Esse eletrodoméstico facilitou bastante a vida das donas de casa na execução de muitas receitas, dentre elas, o suspiro.

Antes do aparelho ser criado, servir suspiros às visitas era um símbolo de status. Se batidas a mão, as claras levam muito tempo para atingir o ponto correto, portanto, servir o doce tornava evidente que a casa tinha empregadas ou escravas se dedicando a tal atividade.

O Átila Iamarino citou isto em um podcast e apesar de eu não ter encontrado outras fontes ao pesquisar, parece algo bastante factível (mas pode também ser uma daquelas histórias que são criadas por serem mais interessantes do que os fatos).
De qualquer forma, ainda que seja somente uma suposição, ela inspira reflexões interessantes.

O tamanho da bolsa de uma mulher também evidenciava o poder aquisitivo dela. E você errou se pensou que uma bolsa grande é sinal de riqueza. Muito pelo contrário, bolsas grandes eram sinal de que a mulher trabalhava. Aquelas mulheres cujos maridos tinham propriedades, sequer possuíam bolsos em suas vestes.

Se dantes, tais sutilezas foram responsáveis por denunciar a classe social das mulheres e de suas famílias, podemos observar hoje outros elementos que o fazem.

Ao ver uma jovem ostentar imensas unhas de gel, ou seja lá qual o procedimento da moda agora, podemos supor que esta mulher não trabalha com serviços domésticos e muito provavelmente não cuida dessas tarefas nem mesmo em sua própria casa visto que unhas grandes atrapalham a execução de certas atividades. Além disso, lavar roupas e louça constantemente acabam por estragar a maquiagem das unhas.

Outro bom exemplo de status é quando alguém que não é uma atleta, ou seja, que não treina para fins de competição, mantém um corpo extremamente malhado. Ter o corpo perfeito das musas de Instagram não é possível quando se trabalha 8 ou mais horas diárias, sobretudo se você toma transporte público para se locomover perdendo mais uma ou duas horas no trajeto e ainda tem que cozinhar e cuidar dos filhos quando chega em casa. Alguém que tem seu corpo como prioridade, tem babá, empregada doméstica, cozinheira, personal trainer e sabe-se lá mais quantos funcionários.

Assim como as tecnologias evoluem, nossa cultura evolui e se modifica ao longo dos anos. Um comportamento que outrora vinha acompanhado de status passa a não significar nada, dando lugar a outro que eleve as virtudes de quem o pratica.
Hoje, no século XXI, você sequer precisa de uma batedeira se quiser oferecer o merengue às visitas. Basta abrir um saco de suspiros industrializados e servir na sua melhor travessa. Isto não só não representa mais qualquer status como algumas visitas ingratas podem inclusive considerar desleixo.

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Ana Claudia de Souza

Poeta, ilustradora, militante, periférica, ateia, marxista-leninista.