Discurso Liberal: tão frágil quanto um lenço de papel

Ana Claudia de Souza
3 min readApr 6, 2021

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Quando eu ainda não tinha consciência de classe e caia em papo de coach de empreendedorismo eu consumia alguns conteúdos do empresário queridinho dos jovens neoliberais brasileiros, o Flávio Augusto. Se você tem a sorte de não saber quem ele é, Flávio Augusto é o dono da Wise Up, do Orlando City e criou uma página chamada Geração de Valor onde ele dissemina o discurso liberal enquanto angaria alunos para seu “curso de empreendedorismo”. Nos conteúdos que produz, Flávio Augusto vende esperança. Ele conta como saiu do pé do morro e construiu um império e tenta te convencer de que para você conseguir o mesmo, basta trabalhar duro. É o bom e velho “só depende de você”. Ele fala bastante também sobre como o Estado é malvado com os empresários e te orienta a não esperar nada dele. Ele sugere que pensar dessa forma te diferencia das outras pessoas, como se o liberalismo já não vendesse tal discurso há tempo suficiente para transformá-lo em commodity.

De todas as coisas publicadas por este cidadão a que já tive acesso, há uma frase que o ouvi dizer anos atrás e que não me esquecerei nunca graças a atual conjuntura: “numa crise, uns choram, outros vendem lenço, qual dos dois você quer ser?”

Não fosse a vida uma caixinha de surpresas, em 2020 o Brasil e o Mundo foram afetados pela pandemia que iniciou uma crise socioeconômica que não era vista há muito tempo. Em meio às medidas restritivas adotadas afim de poupar vidas, este senhor foi um dos empresários que questionou tais medidas pois seriam desastrosas à economia. Ou seja, cadê o discurso de vender lenço agora? Onde está o valiosíssimo conhecimento que ele tem a oferecer para te inspirar a ser um empresário inovador neste momento difícil em que você precisa fechar as portas? Se você pequeno empresário não está conseguindo pagar as contas, a culpa não é sua? Será que sua empresa não sofre de miopia de marketing?*

Ocorre que esse discurso individualista liberal não se sustenta diante da crise. Enquanto você, pequeno empresário sucumbe e chora, as grandes empresas se beneficiam, não só de lucros gerados pela crise em sí (vide Jeff Bezos que lucrou 84% a mais durante a pandemia) mas também de benefícios do governo. Não se esqueça da fala de Paulo Guedes: “Nós vamos ganhar dinheiro usando recursos públicos pra salvar grandes companhias. Agora, nós vamos perder dinheiro salvando empresas pequenininhas”.

Essa fala deveria revoltar os pequenos empresários, principalmente porque muitos votaram no atual presidente por acreditarem na política econômica de Guedes.
Não é justo que você tenha que fechar as portas e fique desamparado em meio à pandemia. Mas te convenceram de que o governo não te deve nada e de que você tem que fazer dinheiro sob qualquer condição. Mesmo sob o risco de morte dos seus funcionários, clientes e familiares?

A democracia que conhecemos é na verdade uma ditadura burguesa comandada pela classe dominante e estruturada para atender tão somente aos interesses dela. Convencer pequenos empresários, motoristas de aplicativos, entregadores e freelancers de que eles não fazem parte da massa de trabalhadores porque são empreendedores e de que não devem esperar nem cobrar nada do Estado, é simplesmente uma forma de nos enfraquecer, visto que a união e revolta do proletariado tornaria possível a revolução que tiraria o poder da burguesia e colocaria na mão de quem deveria estar: o povo!

*Miopia em Marketing se refere a "se concentrar nos produtos em vez dos clientes" (Miopia em marketing, Wikipédia).

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Ana Claudia de Souza

Poeta, ilustradora, militante, periférica, ateia, marxista-leninista.