Compartimentos

Ana Claudia de Souza
2 min readOct 28, 2022

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O útero é o primeiro compartimento que nos abriga. É o invólucro perfeito, nos é feito sob medida, se expandindo de acordo com a nossa necessidade. É flexível, possibilitando assim que se adapte aos nossos contornos. O ventre nos protege, nos abraça com firmeza sem oprimir e, no geral, sabe exatamente a hora certa de nos expulsar.
Ao sair dele no entanto, somos imediatamente colocados numa caixa. Quando muito pequenos não sentimos as paredes desta caixa, mas conforme crescemos, vamos esbarrando nestes limites e tomando consciência de sua forma quadrada e nada acolhedora.
Algumas pessoas passam suas vidas inteiras dentro de suas caixas sem nem saberem que é possível uma vida fora delas. Muitos até vislumbram a possibilidade, mas aprenderam com a própria caixa, que sair dela é errado, então vivem a julgar quem o faz. São tão oprimidos pelos limites da caixa que passam até a tomar seu formato.
Existem ainda aqueles que se expandem demais e que por mais que tentem caber, acabam transbordando, mas por medo do julgamento alheio, ao abandonarem suas caixas, se metem em armários, que nada mais são do que caixas maiores. No entanto, por ser maior, o armário machuca menos. Serve mais para nos esconder do que para nos moldar. É possível viver até com certo nível de conforto dentro do armário. É lógico que melhor seria viver totalmente livre, mas numa sociedade onde caixas são regra, nos contentamos em passar a vida em armários.

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Ana Claudia de Souza

Poeta, ilustradora, militante, periférica, ateia, marxista-leninista.