Coitado do Bem-te-vi

Ana Claudia de Souza
2 min readJul 8, 2023

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“Ê, sai pra lá!” — Sempre que canta um bem-te-vi minha mãe expressa seu desgosto por ouvir o pobre pássaro cantar. Ela jura que o Bem-te-vi anuncia morte. Claro que ela não se lembra das centenas de vezes que o bicho vem, gorjeia e não leva nenhuma alma. É claro também que qualquer morte serve para justificar sua superstição: um parente, um amigo, um famoso, um conhecido, o amigo de um amigo…
E se questionamos a eficiência do anúncio, ou o porquê do coitado do passarinho ter herdado essa função tão triste da natureza, ela não hesita em argumentar: “E você não sabe que o Bem-te-vi entregou Jesus?”
Reza a lenda que os soldados romanos a procura de Jesus, ao ver o pássaro lhe perguntaram: “você viu Jesus passar por aqui?” ao que o bicudo respondeu: “bem que vi!” e isso os teria ajudado a encontrar o Messias. Nesta versão, aparentemente Judas Iscariotes tinha pena, ou melhor dizendo, penas, plumas, plumagem, para que não se confunda com piedade, compaixão, visto que o bichinho, tal qual o apóstolo, teria traído e entregue para a morte o filho do Deus.
E por esse motivo, até hoje a ave teria a missão de trazer maus-agouros.
Como o “que” teria virado “te” já não sei. Suspeito que ela também não saiba.

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Ana Claudia de Souza

Poeta, ilustradora, militante, periférica, ateia, marxista-leninista.